Educação da Classe Trabalhadora
Tomamos o governo Nilo Peçanha, em 1909, como marco da responsabilização do Estado pela educação profissional em virtude da publicação do Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, que cria nas capitais da Federação as 19 Escolas de Aprendizes Artífices. As escolas de aprendizes artífices ficaram caracterizadas como o início da Rede Federal de Ensino Profissional, porém antes de ter a pretensão de apoiar o iniciante desenvolvimento industrial, foram direcionadas a finalidade de educar pelo trabalho os órfãos, pobres e desvalidos.
Que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletarias os meios de vencer as difficuldades sempre crescentes da lucta pela existencia;
Que para isso se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico e intellectual, como fazel-os adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime (BRASIL,1909).[1]
O fato de as primeiras proposições em torno da formação ofícios/técnica no Brasil terem se voltado predominantemente para a formação dos menos favorecidos, entre eles indígenas, negros escravizados e seus descendentes, acabou sendo criado o estereótipo de que as atividades artesanais e de manufatura consistiam em um trabalho desqualificado. Neste contexto, a realidade educacional em relação educação e trabalho alimentou-se das desigualdades sociais, cabendo ao ensino profissionalizante uma função assistencial, com a pretensão de conter um caos social. Muito em virtude deste pensamento, as elites orientam seus filhos para uma formação intelectual/propedêutica enquanto os menos favorecidos dedicavam-se ao trabalho manual/fabril.
O reconhecimento da educação profissional ocorre com a Constituição Federal de 1937, onde o trabalho manual começa a fazer parte do processo educativo e ainda é forte a concepção de formar jovens e adultos para trabalhar nas indústrias sem desenvolver o conhecimento crítico, ou seja, sem ter o trabalho como princípio educativo. Ainda nesta constituição, fica definido o regime de cooperação entre Estado e indústria, sendo criadas as escolas técnicas no território brasileiro. Essas escolas assumem o treinamento das forças de trabalho visando assegurar maior produtividade do setor industrial, apresentando uma relação direta com a política de desenvolvimento econômico da época, marcada pelo avanço da industrialização no país. A década de 1930 marca a dualidade educacional e consolida a sociedade de classes.
Neste breve panorama, é visível que as transformações sociais e econômicas trouxeram, e trazem, impactos sobre o trabalho, suscitando reflexões acerca das práticas educacionais na formação profissional dos trabalhadores. Para Frigotto (2017, p.511), “sob o domínio do capital, o trabalho é dominantemente meio de potenciar os processos de exploração e de alienação”. Quanto ao modo de produção capitalista, conforme elucida Saviani (2007, p.152) “a relação entre trabalho e educação, nas sociedades de classe, tendem a manifestar-se na forma da separação entre escola e educação”.
Essa separação entre escola e produção, segundo o autor, refletiu numa proposta dualista com escolas profissionais para os trabalhadores e escolas de ciências e humanidades para os futuros dirigentes. E ainda, numa proposta de escola única que distribuía os educandos segundo as funções sociais para as quais se destinavam em decorrência de sua origem social.
Mediante a relação educação e trabalho, a evolução destes paradigmas ao longo da história mostra que o trabalho surgiu da necessidade de sobrevivência do homem. Porém, ao longo do tempo passa a ser visto como uma maldição e um meio de construir e adquirir bens. Enquanto isso, a educação foi modelada para a construção de valores e preparação para o mercado, ou seja, para o atendimento as demandas do capital.
Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos. (MÉSZÁROS, 2011, p. 96).
Citando o Banco Mundial Segnini (2000, p.73) indica que as taxas de investimentos e os graus iniciais de instrução constituem robustos fatores de previsão de crescimento futuro. Se nada mais mudar, quanto mais instruídos forem os trabalhadores de um país, maiores serão suas possibilidades de absorver as tecnologias predominantes, e assim chegar a um crescimento rápido da produção.
Nesse sentido, a educação profissional aparece como questão central para formação do trabalhador pois na visão do capital, a formação profissional confere funções instrumentais capazes de adaptar os indivíduos às mudanças técnicas do mundo, aumentando a margem de competitividade e concorrência das organizações.
Usando as palavras de Demerval Saviani (1994) é sabido que a educação praticamente coincide com a própria existência humana. Em outros termos, as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem que, diferentemente dos animais, adaptam a natureza a si. Ainda, segundo o autor, a vida do homem é determinada pelo modo como ele produz sua existência, que para continuar, precisa estar continuamente produzindo através do trabalho.
Esta relação intrínseca entre trabalho humano e educação direcionam nosso estudo que tem por pretensão desenvolver um processo formativo que percorra caminhos na contracorrente dos discursos e políticas, formulados por organismos internacionais e pelo Estado. Buscamos construir, com base em estudos científicos, uma formação crítica no próprio ambiente de trabalho que seja diferenciada das proposições gerenciais oferecidas na Administração Pública, pois acredita-se que
O ser humano, ao se construir humano pelo trabalho, educa-se em sentido amplo e, na processualidade histórica e no seio das relações sociais de produção capitalistas, de forma contraditória e sempre em disputa, cria espaços específicos de produção e sistematização de conhecimentos científicos que se vinculam à produção e reprodução da vida. (FRIGOTTO apud SAVIANI, 2017, p.511).
Bibliografia:
BRASIL. Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909. Crêa nas capitaes dos Estados da Republica Escolas de Aprendizes Artifices, para o ensino profissional primario e gratuito. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/decreto_7566_1909.pdf. Acesso em: 02 mar. 2018.
FRIGOTTO G. Dermeval Saviani e a centralidade ontológica do trabalho na formação do “homem novo”, artífice da sociedade socialista. Interface (Botucatu). 2017; 21(62):509-19.
MÉSZÁROS, ISTVÁN. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução: Paulo Cezar Castanheira, Sérgio Lessa. 1ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2011. https://nupese.fe.ufg.br/up/208/o/para-alem-do-capital.pdf?1350933922
RAMOS, Marise Nogueira. Concepção do Ensino Médio Integrado. Texto apresentado em seminário promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Pará nos dias 8 e 9 de maio de 2008. Retirado em 20 de outubro de 2018, https://tecnicadmiwj.files.wordpress.com/2008/09/texto-concepcao-do-ensino-medio-integrado-marise-ramos1.pdf
Saviani, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: Ferretti, Celso J. et al. (Orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, Campinas, v.12, n.34, jan/abr de 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n34/a12v1234.pdf. Acesso em 13 de nov 2018.
SEGNINI, LILIANA ROLFSEN PETRILLI. Educação e trabalho: uma relação tão necessária quanto insuficiente. São Paulo Perspec.[online]. 2000, vol.14, n.2, pp.72-81