A Política Nacional para Capacitação de Servidores
O serviço público brasileiro tem passado por diversas reformas que foram instituídas em um contexto de incentivo ao profissionalismo dos serviços e novas formas de gestão. Nesse cenário, a capacitação e formação de servidores públicos recebeu maior expressividade no Brasil depois das reformas do Estado, ocorridas na década de 1990.
Destaca-se como principal, a instituição do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), a qual institucionalizou, no âmbito da Administração Pública Federal, a administração pública gerencial que
se acoplou, dentro de um processo de defesa da modernização do setor público, a conceitos como busca contínua da qualidade, descentralização e avaliação dos serviços públicos pelos consumidores/cidadãos” (ABRUCIO, 1997, p. 12).
A administração pública gerencial surge como resposta ao desenvolvimento tecnológico e às funções econômicas e sociais do Estado. Nesse cenário, aliada à demanda da sociedade por qualidade nos serviços públicos e diante de uma tendência à aceitação de modelos de gestão mais flexíveis, foi criada a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), instituída pelo Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006.
A política nacional de desenvolvimento de pessoal foi amparada nos conceitos de Jacques Delors (2003), sobre a educação ao longo da vida, constante do relatório "Educação: um tesouro a descobrir" da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI da Unesco. Nesse relatório, em síntese, a educação profissional está alinhada ao desenvolvimento individual de competências.
A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. (DELORS, 2003, pg. 89)
O Decreto nº 5.707/2006 estabeleceu, na gestão por competências, o guia orientador para capacitação dos servidores da Administração Pública Federal. Em seu teor, é possível verificar a preocupação em consolidar uma política de desenvolvimento permanente dos servidores focada em elementos essenciais ao modelo econômico vigente, tais como: produtividade, organicidade, eficiência e eficácia.
Após treze anos de vigência, o Decreto 5.707/2006 foi revogado – em 6 de setembro de 2019 – e publicado o Decreto nº 9.991, de 28 de agosto de 2019, que dispõe sobre a nova Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
O novo Decreto nº 9.991/2019, foi regulamentado pela Instrução Normativa nº 201, de 11 de setembro de 2019, elaborada pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia que dispôs sobre prazos, condições, critérios, procedimentos e orientações para a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP).
Esse dispositivo determinou aos órgãos e entidades da administração pública federal que promovessem a elaboração do Plano de Desenvolvimento de Pessoas (PDP), com vigência a partir de 2020, apresentando-se mais restritivo, tendo por finalidade elencar as ações de desenvolvimento necessárias à consecução dos objetivos institucionais.
O Plano de Desenvolvimento de Pessoas (PDP) deve ser elaborado de forma individualizada por cada órgão e precedido de um diagnóstico de competências que, segundo o Decreto nº 9.991/2019, consiste na “identificação do conjunto de conhecimentos, habilidades e condutas necessário ao exercício do cargo ou da função”. (BRASIL, 2019).
Quanto à capacitação dos servidores, no bojo da Portaria nº 201, de 11 de setembro de 2019, foi definido que será considerada toda e qualquer ação voltada para o desenvolvimento de competências, organizada de maneira formal, realizada de modo individual ou coletivo, presencial ou à distância, com supervisão, orientação ou tutoria.
À vista disso, pode-se afirmar que a teoria das competências está legitimada na administração pública brasileira e, apesar de não constar na legislação nenhum tipo de referência de sua historicidade ou ideologia, os documentos acima analisados reforçam que o desenvolvimento de competências, aliado à educação continuada, possibilita o alinhamento dos servidores às exigências institucionais.
Assim, diante dos diversos elementos constantes âmbito do PNDP, o Estado reafirma a necessidade de instituir uma política de qualificação voltada para a capacidade de desenvolvimento de tarefas. A pretensão da política pública e de seus gestores está consubstanciada na construção de um dossiê de competências organizacionais que possam satisfazer ao modelo gerencialista.
Art. 3º Cada órgão e entidade integrante do SIPEC elaborará anualmente o respectivo PDP, que vigorará no exercício seguinte, com a finalidade de elencar as ações de desenvolvimento necessárias à consecução de seus objetivos institucionais.
§ 1º O PDP deverá:
[...]
§ 2º A elaboração do PDP será precedida, preferencialmente, por diagnóstico de competências.
§ 3º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se diagnóstico de competências a identificação do conjunto de conhecimentos, habilidades e condutas necessários ao exercício do cargo ou da função. (BRASIL,2019).
Segundo Ramos (2009, apud TANGU & ROPÉ, 1997), uma das definições mais comuns para o conceito de competência é a ideia de um conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que veiculam a discussão, a consulta e a decisão de tudo que se vincula a um ofício, supondo conhecimentos teóricos fundamentados, acompanhados das qualidades e da capacidade que permitem executar as decisões sugeridas.
Ramos (2009), assevera que a noção de competência compõe um conjunto de significados talhados na cultura de acumulação flexível do capital, desempenhando um papel específico na representação dos processos de formação e de comportamento do trabalhador na sociedade.
Ainda, segundo a autora (2001, p.176), a competência cumpre o papel de ordenar as relações sociais de trabalho externamente às organizações produtivas, no sentido de gerir condutas e reconfigurar valores ético-políticos dos trabalhadores no processo permanente de adaptação à instabilidade social.
Nessa perspectiva, são elaboradas as ações de qualificação dos servidores, onde a formação prioriza as técnicas de gestão e aperfeiçoamento de processos de trabalho, focando na sua eficiência e eficácia, nos moldes do modelo gerencial. Esse modelo, dissemina a ideia de que o privado é melhor que o público e para alcançar os resultados desejados pelas instituições, o sujeito deve “saber fazer” e “saber gerir”, ou seja, ser mais ágil, mais eficaz e mais produtivo.
As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”, através das ações e operações as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova organização das competências (BRASIL, 2000, p.8).
A formação por competência exige que noções associadas (saber, fazer e objetivos) sejam acompanhadas de uma explicitação das atividades (ou tarefas) em que elas podem se materializar e se fazer compreender (RAMOS, 2009). Como bem descrito por Antunes e Alves (2004), a competência passou a ser processual, isto é, contínua, onde no vislumbre de ampliar a capacidade de “empregabilidade” – uma mudança no posto de trabalho –, os sujeitos são direcionados a desenvolver seus saberes e mobilizá-los em competências.
A competência passou a ser processual, ou seja, deve ser contínua: Um exemplo forte é dado pela necessidade crescente de qualificar-se melhor e preparar-se mais para conseguir trabalho. Parte importante do “tempo livre” dos trabalhadores está crescentemente voltada para adquirir “empregabilidade”, palavra-fetiche que o capital usa para transferir aos trabalhadores as necessidades de sua qualificação, que anteriormente eram em grande parte realizadas pelo capital (ANTUNES E ALVES, 2004, p.347)
Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de competências se vincula a um ato individualizado do trabalhador, sendo de sua responsabilidade a busca pela qualificação e desenvolvimento de suas funções. No serviço público, é possível observar essa transferência de responsabilidade do Estado para a esfera de competência individual do servidor.
O atual modelo concentra atenção em um perfil profissional multidisciplinar, combinado com o conjunto de habilidades e atitudes com vistas à eficiência do indivíduo. A gestão por competências, no molde de educação flexível e autônoma, traz oportunidades as quais implicam na exclusão e competitividade dos indivíduos.
Contudo, concordando com Frigotto (2013, p. 01), a formação do servidor necessita de uma modelagem que contribua para que o trabalhador construa uma visão crítica da realidade social do trabalho e não apenas uma formação focada nas competências. Isso porque, o tema da formação e capacitação do servidor público passa pela construção de sujeitos autônomos, solidários e protagonistas para atuar na gestão pública. Nesse sentido, os servidores públicos necessitam de uma formação que instigue a capacidade de analisar os problemas e de adotar uma concepção mais ativa e crítica acerca da gestão pública.