top of page

Resultados 

     Ao longo deste estudo, buscou-se analisar como a formação continuada de servidores – que atuam na gestão e na fiscalização de contratos terceirizados do Ministério da Educação – pode ultrapassar a instrumentalização para as tarefas e contribuir para a ampliação da capacidade crítica desses profissionais. Para tanto, partiu-se do referencial teórico alinhado ao discurso do trabalho como princípio educativo que apontou para a importância de uma formação com base na educação profissional e na perspectiva de uma formação humana omnilateral.

     Nessa perspectiva, percebemos que as capacitações destinadas aos servidores, sujeitos da pesquisa, não possibilitam uma formação para o exercício autônomo e crítico no âmbito das atividades de gestão e fiscalização de contratos. Apresenta-se como função estratégica do governo, diretamente relacionada aos objetivos de cada órgão, promovendo o desenvolvimento dos servidores públicos nas competências necessárias à consecução da excelência na atuação institucional.

 

     Diante desta afirmação, a pesquisa permitiu discutir sobre a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP), instituída pelo Decreto nº 9.991, de 28 de agosto de 2019, tomada como guia orientador à capacitação dos servidores da Administração Pública Federal. Com a análise, foi possível observar que a capacitação oferecida pelo Estado está alicerçada na perspectiva das competências, onde as ações de qualificação priorizam as técnicas de gestão e aperfeiçoamento de processos de trabalho, focando em elementos essenciais ao modelo econômico vigente, tais como: produtividade, celeridade, organicidade e eficiência.

 

     A formação por competência exige que noções associadas (saber, fazer e objetivos) sejam acompanhadas de uma explicitação das atividades (ou tarefas) em que elas podem se materializar e se fazer compreender (RAMOS, 2009). Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de competências se vincula a um ato individualizado do trabalhador, sendo de sua responsabilidade a busca pela qualificação e desenvolvimento de suas funções.

 

   Assim, por meio da PNDP, o Estado reafirma a necessidade de instituir uma política de qualificação voltada à aptidão no desenvolvimento de tarefas. A pretensão da política pública e de seus gestores está consubstanciada na construção de um rol de competências organizacionais que satisfaçam ao modelo gerencialista, que qualifica para o capital.

 

     Essa concepção de capacitação do servidor público muito se distancia do conceito e dos projetos de ser humano emancipado, pois está pautada no individualismo e moldado na competitividade exigida pelo mundo capitalista. Como bem colocado por Libâneo (2003), formações nessa perspectiva imprimem a ideia de melhoria na qualificação profissional, todavia trata-se de uma formação que prioriza a competitividade entre os indivíduos e ignora uma formação humana, democrática e formadora de cidadania.

 

     Ainda, com vistas à compreensão da problemática da pesquisa acerca da percepção dos servidores alvos sobre o processo de capacitação em que estão submetidos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, onde restou demonstrado que esses profissionais aprovam as ações formativas atuais, pois apresentam um sentido prático, relevantes para a execução das tarefas do cotidiano e úteis para a resolução dos problemas demandados no trabalho.

 

     As metodologias de aprendizagem dos processos formativos são construídas por meio de normas e orientações técnicas que não permitem uma intervenção aprofundada que remeta à visão crítica da realidade. A política promovida pelo Estado enfatiza a necessidade de desenvolvimento de saberes individuais para promover o desenvolvimento institucional, reconhecendo, na capacitação, a garantia de que o servidor conte com mecanismos profissionais necessários ao bom desempenho de sua função.

 

     Nesse viés, observa-se que o trabalho assume uma dimensão instrumentalizada e, sob o domínio do capital, vira meio de subsistência. Diante disso, buscamos compreender os sentidos do trabalho para os entrevistados, pois, segundo Antunes, “se por um lado, necessitamos do trabalho humano e de seu potencial emancipador, devemos também recusar aquele que explora, aliena e infelicita o ser social” (ANTUNES, 2009, p. 12).

 

     Para o grupo de servidores participantes da pesquisa, o trabalho remete, tão somente, a um meio de vida, não possuindo significados e sentidos pessoais específicos na execução de suas atividades. Como bem representa Basso (2008, p. 3), é visto como "meio de existência, como uma aparente atividade, como exterior ao trabalhador e não como ato que desenvolve novas capacidades e cria novas necessidades, não como essência humana”.

 

     Ressalte-se que todos os entrevistados ratificaram a importância da qualificação profissional para a realização de suas atividades funcionais; e, apesar de receberam uma qualificação de cunho instrumental, restrita ao desenvolvimento de suas atividades, os servidores se mostraram abertos a uma proposta de formação que possibilite a transformação da realidade e que promova um melhor posicionamento técnico, político e social.

 

     Assim, a partir das teorias utilizadas na pesquisa, vislumbrou-se uma qualificação que reconheça a dimensão educativa do trabalho, conciliando conhecimentos científicos e as habilidades técnicas (prática do trabalho) para o melhoramento dos processos formativos dos servidores que atuam na gestão e fiscalização de contratos no âmbito do Ministério da Educação, de forma a ultrapassar a instrumentalização para as tarefas e contribuir para a ampliação da capacidade crítica desses profissionais.

 

     Essa proposta de qualificação profissional foi desenvolvida por meio do produto educacional intitulado Qualifica Servidor, um website elaborado a fim de contribuir com a formação continuada dos servidores que atuam na gestão e fiscalização de contratos terceirizados do Ministério da Educação, possibilitar o exercício da dimensão prática e laboral do servidor, bem como o aprimoramento de posturas críticas e proativas, da realidade social do trabalho.

 

     O website foi construído a partir da exposição das dificuldades dos servidores perante suas atividades diárias de fiscalização e gestão de contratos e, ainda, da possibilidade de melhoria das práticas em serviço a partir de uma visão integrada do trabalho, ressaltadas a formação ética, o pensamento crítico e a autonomia dos sujeitos. O conteúdo formativo do website considera os problemas do mundo real (campo de atuação dos servidores), para desenvolver uma consciência da realidade social do trabalho, unindo conhecimentos e ampliando a capacidade de compreensão e julgamento desses profissionais.

     

     O desafio do produto educacional é sustentar esse tipo de formação, voltada à criticidade dentro do serviço público, pois sua concepção vai de encontro à lógica formativa imposta pelo Estado. Porém, entende-se que, nesse espaço contraditório, existe a possibilidade de uma formação a nível de qualificação para o trabalho que impacte positivamente na atuação do servidor no desenvolvimento de suas atividades profissionais e em sua vida em sociedade.

 

     Acreditar em um processo de educação democrático e amplo é também pensar em uma formação capaz, mesmo diante da realidade imposta pelo capital, de superar a fragmentação do conhecimento, pois necessária é a compreensão do trabalho em seu sentido ontológico e como práxis humana transformadora.

bottom of page